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2 de novembro de 2013

As palestras desmotivacionais de Clécio

- Há quem diga que o otimismo é a chave da conquista. Pois eu digo que não há no mundo alguém que tenha conseguido algo só mantendo uma ideia positiva sobre determinado objetivo. A chave para o triunfo é se desmotivar quanto a ele. Vocês aqui presentes não irão passar na faculdade, crianças. Talvez alguns passem, mas só talvez. E se alguém de vocês passar, terá um péssimo caminho a ser trilhado. Caminho esse que não levará a nenhum futuro brilhante. Não haverão empregos que compensarão os dias perdidos estudando sob a perspectiva da expectativa. Recompor-se também não está no script. Vocês precisam se desmotivar e eu estou aqui para ajuda-los nisso, mas não vou conseguir - apresentava-se Clécio.

O futuro a Deus pertence. Mas Clécio sabia prever uma parte genérica do que seria o porvir: um completo fracasso. E essa era a arma do palestrante nas suas apresentações em auditórios geralmente lotados em colégios particulares de São Paulo. O público era quase sempre composto de jovens de 16 ou 17 anos, todos sob a pressão de conseguir uma vaga em alguma faculdade renomada. O papel do convidado era de, visivelmente, tirar dos garotos qualquer tendência a ver as coisas de forma positiva. Assim, despretensiosos, acabavam involuntariamente distensionados.

Clécio não se importava com as críticas que jornalistas andavam fazendo sobre ele em suas perniciosas colunas, diariamente. Havia quem argumentava com a psicologia, dizendo que uma vez pessimistas, os garotos se desiludiriam e se desmotivariam inclusive quanto a suas carreiras, suas vidas. Mas que carreiras? Rebatia Clécio, quando sua mulher mostrava os artigos dos jornais. Eles não vão chegar a ter essa perspectiva.

Aquilo não era um personagem construído para as palestras. Clécio era realmente o paladino do pessimismo. Casado e pai de dois filhos (os quais ele não acreditava serem seus), sobrevivia do dinheiro ganho com as apresentações nas escolas. Mas nem com a fama do boca a boca ele conseguia aumentar seu rol de colégios. Marketing pessoal não era seu forte; ao se apresentar àqueles diretores que exigiam conversar com ele antes de expor seus alunos à palestra, fazia o oposto à autopromoção. Sou péssimo com palestras, não lido bem com público e eles dificilmente conseguirão aliviar o peso da pressão do vestibular.

Clécio defendia o pessimismo. Mas não achava ele bom. Afinal de contas, acreditar friamente que o pessimismo evita frustrações é, de certa forma, ser otimista. Era difícil manter uma linha totalmente coerente. Por isso as perguntas dos alunos só duraram nas primeiras palestras, até que João Victor, potencial engenheiro da Petrobrás daqui uma década, levantou-se para dizer que sua mãe sempre o incentivara a acreditar em si mesmo, a ser positivo quanto ao futuro que o esperava. João dizia que sua mãe, um case de sucesso, sempre fora assim e hoje alçava voos cada vez mais altos. Quem é sua mãe, rapaz? Graça Foster, doutor Clécio.

Com o tempo, as coisas na vida de Clécio continuaram se mostrando monótonas, inertes. Nada mudava, tudo dentro dos conformes. Sem decepção, sem ovação. Aliás, não mencionei, mas Clécio pedia antes de suas palestras que os professores avisassem aos alunos para não baterem palmas. Não sei o que sou capaz de fazer se aplaudirem.

Porém a carreira de palestrante estava prestes a acabar (ele nunca achou que seria duradoura, diga-se). Um jornalista, daqueles maldosos, associou o suicídio de um aluno à palestra de Clécio. Era verdade que o rapaz, de 16 anos, havia acompanhado a palestra no dia anterior à morte. E que tinha comentado com amigos que agora tudo fazia sentido. Nada faz sentido.

Clécio ficou bastante abalado e decidiu, por um tempo, parar com as idas às escolas. Não tardou foi convidado a voltar a ativa. Clécio agora palestra em concursos de beleza.

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