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23 de maio de 2014

Fotografias de uma realidade melancólica

Uma fotografia viva da realidade. Um homem sem corpo, cuja idade já transpassou a marca dos quarenta, com o rosto indiferente ao seu exterior: olhos fechados, boca cerrada e sobrancelhas e barba por fazer. Ao seu redor, uma multidão se aglomera no limite da faixa de segurança para, em sua maioria, apenas fotografar Ron Mueck, expresso nessa escultura, que toma o posto de mais impactante: “Mask II”.

Em exposição no Museu de Arte Moderna (MAM) até 1º de junho, no Rio de Janeiro, essa e outras obras hiper-realistas em tamanho gigante do artista australiano estão quebrando todas as expectativas. Até ontem (22), mais de 210 mil pessoas já haviam passado pelas nove esculturas nos pátios do MAM.

A grandiosidade e o realismo exacerbado visto em Ron Mueck ajudam a explicar o sucesso da exposição, consagrada também em outros países, como Austrália, Nova Zelândia e, recentemente, na Argentina. É possível sem nenhum esforço se ver na obra, como na figura de um casal de idosos, na praia, debaixo de um guarda-chuva – “Couple under an umbrella”.

Um dos curadores quando as esculturas estiveram na Nova Zelândia, Justin Paton explica o sentido metafórico da posição que o casal monta juntos. “Representa o desapego no sentido mais positivo do verbo ‘sustentar’: manter alguém com força, mantê-lo por toda a  vida, manter um momento de vida frente ao fluxo do tempo”, conta.

De fato a mulher com as mãos segurando o chão, atrás de suas costas, sentada de tal modo para que o homem apenas recoste sua cabeça sobre suas pernas é a representação dessa sustentação de que Paton trata. Já seria naturalmente encantador não fosse ainda o olhar que a sustentadora dá ao sustentado, sem obter deste reciprocidade. Ou o movimento de seus cabelos, captado como num obturador fotográfico, as veias saltantes e os dedos da mão inchados, os quais justificam ainda mais a ideia de fotografia máxima da realidade.

Como se estivéssemos depostos, sem autonomia alguma sobre nossa percepção, frente à obra que maximiza nós mesmos, pensamos a obra de Ron Mueck como um reflexo. Ou apenas fotografamos.
Surpreendem os flashs ininterruptos das câmeras digitais e dos smartphones. Chegam a incomodar se o visitante quer dedicar o tempo que seu bom senso permite ficar frente à obra apenas a contemplando.

Nesse sentido, a contemplação não está diametralmente ligada ao gigantismo dos corpos de Ron Mueck. Se as duas esculturas antes descritas impressionam também pelo tamanho agigantado, a contraposição de outras menores até que nosso tamanho real se mostra bastante eficiente. É como se alternássemos de uma visão maximizada de nós mesmos para outra pormenorizada, ambas com riqueza de detalhes.

A escala das obras, para alguns, porém, é o que menos importa. A melancolia em retratar rostos e corpos indiferentes aos visitantes, perenes em sua plenitude e serenos na catástrofe de suas existências é o que importaria do ponto de vista artístico.

De toda forma, é impossível se despir dos pudores da mente quando se está de frente de si mesmo, menor ou maior fisicamente, mas com semelhante apatia, injustificada, de sentimentos. As fotografias de Ron Mueck dialogam porque não com o pai da psicanálise, que justificava a melancolia em sua ausência de justificativas, seu luto sem perda. 

RON MUECK
Quando? De terça a sexta, das 12h às 18h; sábado e domingo, das 11h às 19h; até 1º/6
Onde? Museu de Arte Moderna do Rio, av. Infante Dom Henrique, 85, Rio, tel. (21) 3883-5600
Quanto? R$ 14

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